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STJ, Ac. de 12 de Fevereiro de 2025

STJ, Ac. de 12 de Fevereiro de 2025

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Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 12 Fev. 2025, Processo 4415/22.5T8FNC.L1.S1

Relator: Júlio Manuel Vieira Gomes.

Processo: 4415/22.5T8FNC.L1.S1

JusNet 1365/2025

Quando o empregador equipara o tempo de condução efetiva e o tempo de disponibilidade no pagamento que faz ao trabalhador, todo esse pagamento tem a mesma natureza e integra a retribuição para efeitos também de subsídio de férias e de subsídio de Natal

Resumo

TEMPO DE TRABALHO. SUBSÍDIO DE FÉRIAS. SUBSÍDIO DE NATAL. Se o empregador, no pagamento do trabalho do trabalhador, equipara o tempo de condução efetiva e o tempo de disponibilidade, pagando ambos como tempos de condução efetiva, os valores do tempo de disponibilidade devem também integrar os respetivos subsídios de férias e de Natal. Com efeito, muito embora a lei distinga entre tempo de trabalho e tempo de disponibilidade, o empregador não está impedido, por razões práticas, tanto mais que tal será mais vantajoso para o trabalhador, de optar por tratar como se fosse tempo de trabalho tanto o tempo de condução efetiva (ou exercício de outras funções) como o tempo que seria tempo de disponibilidade. É, em suma, o próprio empregador quem equipara estes tempos - a referência no recibo a horas extra e trabalho noturno era feita ainda que na realidade pudesse não haver qualquer trabalho nessas rubricas, mas apenas disponibilidade.

Disposições aplicadas

L n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (revisão do Código do Trabalho) (JusNet 308/2009) art. 258.1; art. 258.3

Texto

Quando o próprio empregador equipara o tempo de condução efetiva e o tempo de disponibilidade no pagamento que faz ao trabalhador, todo esse pagamento tem a mesma natureza devendo ter-se como integrando a retribuição para efeitos também de subsídio de férias e de subsídio de Natal.

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Relatório

AA intentou a presente ação declarativa comum contra SAM - Sociedade Automóveis da Madeira, Lda., requerendo a final o seguinte:

"Nestes termos e nos demais de direito aplicável deve a presente ação ser julgada procedente e provada e, em consequência:

1. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor na retribuição de férias, subsídios de férias e Natal a média dos valores que o trabalhador recebeu nos últimos doze meses das retribuições variáveis mas regulares, nomeadamente trabalho suplementar, subsídio noturno e abono de falhas, o que contados desde 2002 até ao presente totaliza a quantia de 26 532,36€ (vinte e seis mil quinhentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos), sendo 25 057,29€ (vinte e cinco mil cinquenta e sete euros e vinte e nove cêntimos) de trabalho suplementar, 488,34€ (quatrocentos e oitenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos) de trabalho noturno e 986,73€ (novecentos e oitenta e seis euros e setenta e três cêntimos) de abono para falhas (conforme se discrimina), e nas vincendas sempre que a elas tenho direito e a liquidar em execução de sentença;

- Ser condenada no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data do vencimento de cada retribuição de, até integral e efetivo pagamento, os quais até ao presente totalizam a quantia de 10 209,51 € (dez mil duzentos e nove euros e cinquenta e um cêntimos)".

Frustrou-se a conciliação das partes.

A Ré contestou.

Realizou-se audiência prévia.

Foi realizada audiência final.

Por Sentença de 23.05.2023, a ação foi considerada totalmente improcedente.

O Réu interpôs recurso de apelação.

Por Acórdão do Tribunal da Relação de 05-06-2024 decidiu-se o seguinte:

"Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso parcialmente procedente e condena a R. a pagar ao A. as diferenças salariais na retribuição de férias e no subsídio de férias dos anos 2002 a 2021, e ainda no subsídio de Natal em 2003, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos pela A. a título trabalho suplementar e trabalho noturno por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias e aos anos em que o autor recebeu os referidos subsídios durante pelo menos onze meses, a liquidar oportunamente.".

Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, arguindo ainda a nulidade do Acórdão com fundamento no artigo 615.º, n.o1, alínea c) do Código do Processo Civil.

Por Acórdão proferido em Conferência a 23-10-24, o Tribunal da Relação indeferiu a arguição de nulidade.

No seu recurso de revista a Ré invoca uma nulidade de que padeceria o Acórdão recorrido por contradição entre a fundamentação e a decisão (artigo 615.º, n.o 1 alínea c) e artigo 674.º do CPC) já que "de forma abrupta e sem sequência lógica, e mediante uma simples frase Mas há que ir mais longe" o Tribunal teria rompido a linha lógica da argumentação que vinha seguindo e que correspondia à posição assumida pela jurisprudência dos Tribunais superiores nacionais (Conclusões D, E e F).

Em segundo lugar sustenta que haveria uma violação das regras sobre a distribuição do ónus da prova. Com efeito, o Acórdão recorrido, dando como provado o facto 36 e a existência de um tempo de disponibilidade nas partes intermédias do dia em que os trabalhadores podiam cuidar dos seus afazeres, teria que exigir ao trabalhador a prova de trabalho efetivo (mais precisamente tempo de condução efetiva) para que a remuneração desse tempo pudesse ser considerada para efeitos do apuramento das quantias devidas a título de subsídio de férias e de Natal (Conclusões G e H).

Critica, igualmente, a aplicação do artigo 258.º n.o 3 do Código do Trabalho1, defendendo que o facto presumido não existe porque se teria dado como provada a existência de um tempo de disponibilidade, pelo que, em rigor, não existiria o facto presumido nem a relação lógica entre o facto indício e o facto presumido (Conclusões I, J e K).

Conclui, afirmando que o presente Acórdão colocaria em perigo os princípios da segurança e certeza do ordenamento jurídico português (Conclusões L, M, N, O).

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.o 3 do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso e da confirmação do Acórdão recorrido.

Fundamentação

De Facto

Foi a seguinte a matéria dada como provada nas instâncias:

1- A ré é uma empresa que se dedica à prestação do serviço de transporte rodoviário colectivo de passageiros, exercendo a sua actividade entre a Zona Este da Região Autónoma da Madeira, nomeadamente entre os concelhos de ..., freguesia do ..., e o centro urbano da cidade do ....

2- Por escrito particular denominado "contrato de trabalho a termo certo" celebrado entre a ré e o autor, a 30 de Janeiro de 2002, com início no dia 1 de Fevereiro de 2002, este obrigou-se, mediante retribuição, a prestar os seus serviços profissionais à ré, sob direcção desta.

3- As partes acordaram na cláusula 2.ª que ao autor é atribuída a categoria

profissional de motorista, a que corresponde a retribuição mensal de € 644,29 (seiscentos e quarenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos).

4- As partes acordaram na cláusula 4.ª que:

"O horário de trabalho do segundo outorgante (autor) será de 40 horas semanais, definido em termos médios, com o período de referência de quatro meses.

1. O período normal de trabalho diário é de 8 horas, podendo contudo, em cada dia, ser superior a duas horas e/ou, nas semanas com duração inferior a 40 horas, ser reduzido até duas horas.

2. O segundo outorgante aceita que nas semanas com duração inferior a 40 horas a redução da semana de trabalho se verifique pelo aumento em dias ou meios dias de descanso, ou, nos mesmos termos, pelo aumento do período de férias, sempre sem prejuízo do subsídio de alimentação, mas também, no último caso, sem aumento do subsídio de férias.

3. O período de trabalho diário será interrompido por um ou mais intervalos, cada um deles de duração não inferior a meia hora desde que, globalmente, não ultrapassem a duração de quatro horas.

4. Por cada dia de prestação de trabalho efectivo em que e/ou os intervalos (de

descanso ou refeições) excedam três horas o segundo outorgante terá direito a uma retribuição especial de € 2,29.

5. O segundo outorgante não poderá conduzir um veículo durante um período contínuo de mais de seis horas. Será considerado contínuo todo o período de trabalho que não comporte uma interrupção de, pelo menos, quinze minutos consecutivos.

6. Compete à segunda outorgante organizar os tempos de trabalho na observância das regas anteriormente estabelecidas e demais condicionalismos legais."

5- Por escrito particular denominado "aditamento ao contrato de trabalho a termo certo" celebrado entre a ré e o autor, a 20 de Janeiro de 2003, com início no dia 1 de Fevereiro de 2002, as partes acordaram, na cláusula 2.ª, que ao autor é atribuída a categoria profissional de motorista, a que corresponde a retribuição mensal de € 668,84 (seiscentos e sessenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos).

6- As partes acordaram, na cláusula 3.ª, que:

"O horário de trabalho do segundo outorgante (autor) será de 40 horas semanais, definido em termos médios, com o período de referência de quatro meses.

1. O período normal de trabalho diário é de 8 horas, podendo contudo, em cada dia, ser superior a duas horas e/ou, nas semanas com duração inferior a 40 horas, ser reduzido até duas horas.

2. O segundo outorgante aceita que nas semanas com duração inferior a 40 horas a redução da semana de trabalho se verifique pelo aumento em dias ou meios dias de descanso, ou, nos mesmos termos, pelo aumento do período de férias, sempre sem prejuízo do subsídio de alimentação, mas também, no último caso, sem aumento do subsídio de férias.

3. O período de trabalho diário será interrompido por um ou mais intervalos, cada um deles de duração não inferior a meia hora desde que, globalmente, não ultrapassem a duração de quatro horas.

4. Por cada dia de prestação de trabalho efectivo em que e/ou os intervalos (de

descanso ou refeições) excedam três horas o segundo outorgante terá direito a uma retribuição especial de € 3,11.

5. O segundo outorgante não poderá conduzir um veículo durante um período contínuo de mais de seis horas. Será considerado contínuo todo o período de trabalho que não comporte uma interrupção de, pelo menos, quinze minutos consecutivos.

6. Compete à segunda outorgante organizar os tempos de trabalho na observância das regas anteriormente estabelecidas e demais condicionalismos legais."

7- A actividade do autor, desde a data da sua admissão, é exercida nos autocarros de transporte explorados pela ré.

8- No ano de 2002, o autor auferiu as seguintes quantias:

9- No ano de 2003, o autor auferiu as seguintes quantias:

10- No ano de 2004 o autor auferiu as seguintes quantias:

11- No ano de 2005, o autor auferiu as seguintes quantias:

12- No ano de 2006 o autor auferiu as seguintes quantias:

13- No ano de 2007 o autor auferiu as seguintes quantias:

14- No ano de 2008, o autor auferiu as seguintes quantias:

15- No ano de 2009, o autor auferiu as seguintes quantias:

16- No ano de 2010, o autor auferiu as seguintes quantias:

17 - No ano de 2011, o autor auferiu as seguintes quantias:

18- No ano de 2012, o autor auferiu as seguintes quantias:

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19- No ano de 2013, o autor auferiu as seguintes quantias:

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20- No ano de 2014, o autor auferiu as seguintes quantias:

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21- No ano de 2015, o autor auferiu as seguintes quantias:

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22- No ano de 2016, o autor auferiu as seguintes quantias:

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23- No ano de 2017, o autor auferiu as seguintes quantias:

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24- No ano de 2018, o autor auferiu as seguintes quantias:

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25- No ano de 2019, o autor auferiu as seguintes quantias:

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26- No ano de 2020, o autor auferiu as seguintes quantias:

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27- No ano de 2021, o autor auferiu as seguintes quantias:

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28- No ano de 2022, o autor auferiu as seguintes quantias:

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29- Fruto da natureza da actividade da ré, esta apresenta uma concentração de

viagens/passageiros às primeiras horas da manhã (entre por volta das 6h00 e as 10h00),

correspondente ao fluxo diário de passageiros de centros rurais/ interurbanos, onde residem, para a cidade do ..., de modo a dar início às respetivas jornadas de trabalho, e vice-versa, com o regresso dos passageiros aos centros onde habitam, no final do dia (entre por volta das 17h00 e das 20h30).

30- Os motoristas iniciam o dia de trabalho em locais relativamente distantes,

nomeadamente em diversos pontos em ... e ..., às primeiras horas da manhã de cada dia, o que invalida o regresso diário ao ... ou a concentração dos autocarros necessários para assegurar os respetivos transportes num só ponto.

31- A pendularidade da actividade da ré impõe-lhe a necessidade de empregar todos os motoristas e autocarros disponíveis para satisfazer a necessidade de transporte das populações nos picos de actividade, quer no início, quer no final do dia, nomeadamente nos locais onde estes são necessários, que por vezes são remotos e invalidam o regresso diário a uma "base".

32- A ré remunera aos motoristas as horas compreendidas entre o início e termo do respectivo horário de trabalho, ressalvados os tempos de refeição e intervalo de descanso, quer se trate de tempo durante o qual eles exercem efectivamente a actividade de motorista, quer se trate de tempo durante o qual nenhum trabalho de condução ou de outra natureza lhes é solicitado.

33- As primeiras oito horas de trabalho são remuneradas ao valor normal da hora, sem qualquer acréscimo.

34- As horas seguintes são remuneradas com os acréscimos previstos para a

remuneração do trabalho suplementar e trabalho nocturno, mesmo que tenham ocorrido períodos durante os quais os trabalhadores não exerceram, nem lhes foi solicitada, a prestação de qualquer actividade

35- As horas referidas em 34) constam dos recibos de vencimento do autor como

"horas extra" e "trabalho nocturno".

36- Nos períodos intermédios do dia os trabalhadores podem tratar dos seus afazeres, desde que o comuniquem previamente, se mantenham contactáveis e esteja assegurada a sua disponibilidade para fazer face a qualquer necessidade de caráter operacional que possa surgir (Alterado pelo Tribunal da Relação)2

37- As escalas de serviço são comunicadas atempadamente aos motoristas.

38- Pela consulta de escala os motoristas ficam a saber a que horas se inicia e termina o seu trabalho diário, os seus intervalos de descanso, assim como os períodos de tempo.

De Direito

Começando a análise pelo último dos argumentos aduzidos pelo Recorrente dir-se-á que o nosso sistema legal não é um sistema de precedente legal, pelo que bem pode um Tribunal divergir da jurisprudência anterior, ainda que dominante ou até pacífica, mormente se a justiça material face aos factos concretamente apurados assim o exigir. E tal pode suceder, como sucede no caso concreto e adiante se demonstrará, sem que se traduza sequer em uma qualquer violação da segurança ou certeza jurídicas, mormente quando a situação apresentar uma especificidade que impõe outra solução.

È precisamente o que a argumentação do Acórdão recorrido espelha: depois de citar a jurisprudência que à luz do disposto no Decreto-Lei n.o 237/2007 classifica o tempo de disponibilidade como não sendo propriamente um tempo de trabalho e exclui que a sua remuneração deva ser tida em linha de conta para o cálculo do subsídio de férias ou do subsídio de Natal, o Acórdão sublinha que "há que ir mais longe" porque se pode justificar uma aparente desvio com essa jurisprudência, na realidade um desenvolvimento da mesma face às particularidades do caso. Não existe, pois, qualquer nulidade do Acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão: a jurisprudência existente é referida, aliás detalhadamente, mas para referir depois a necessidade de atentar no que torna este um caso singular.

E qual é, então, a especificidade do mesmo?

Decorre da matéria de facto dada como provada que "a ré remunera aos motoristas as horas compreendidas entre o início e termo do respetivo horário de trabalho, ressalvados os tempos de refeição e intervalo de descanso, quer se trate de tempo durante o qual eles exercem efetivamente a atividade de motorista, quer se trate de tempo durante o qual nenhum trabalho de condução ou de outra natureza lhes é solicitado" (facto 32). Nesse tempo que é remunerado, "as primeiras oito horas de trabalho são remuneradas ao valor normal da hora, sem qualquer acréscimo" (facto 33) e "as horas seguintes são remuneradas com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar e trabalho noturno, mesmo que tenham ocorrido períodos durante os quais os trabalhadores não exerceram, nem lhes foi solicitada, a prestação de qualquer atividade" (facto 34). Note-se, no entanto, que nos recibos as horas que excedem as primeiras horas de trabalho eram indicadas como "horas extra" e como "trabalho noturno" (facto 35). Acresce que "os períodos intermédios do dia os trabalhadores podem tratar dos seus afazeres, desde que o comuniquem previamente, se mantenham contactáveis e esteja assegurada a sua disponibilidade para fazer face a qualquer necessidade de caráter operacional que possa surgir" (facto 36).

Decorre da matéria de facto que acabamos de reproduzir que o empregador paga o tempo independentemente de haver condução efetiva. Assim, e em última análise, o empregador optou por pagar pela disponibilidade, não exigindo, repete-se, a demonstração de qualquer trabalho efetivo para pagar por essas horas. E a referência às "horas extra" e ao "trabalho noturno" aparecia como fórmula de cálculo do montante a pagar, independentemente de haver trabalho efetivo com essas caraterísticas. Como se pode ler no douto Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal, "a designação das prestações remuneratórias "horas extras" e "trabalho noturno" foi feita pela empregadora recorrente [nos recibos]", mas "podem ter ocorrido períodos em que o recorrido não exerceu efetivamente qualquer atividade" e ainda assim terá recebido importâncias descritas no recibo como "horas extra" e "trabalho noturno".

Ora, e muito embora a lei distinga entre tempo de trabalho e tempo de disponibilidade, o empregador não está impedido, por razões práticas, tanto mais que tal será mais vantajoso para o trabalhador, de optar por tratar como se fosse tempo de trabalho tanto o tempo de condução efetiva (ou exercício de outras funções) como o tempo que seria tempo de disponibilidade. É, em suma, o próprio empregador quem equipara estes tempos - a referência no recibo a horas extra e trabalho noturno era feita ainda que na realidade pudesse não haver qualquer trabalho nessas rubricas, mas apenas disponibilidade.

Mas se o próprio empregador toma como equivalentes o tempo de condução efetiva e o tempo de disponibilidade a contrapartida dos mesmos em rigor não se distingue - reitera-se que o tempo era pago independentemente da demonstração das horas de condução efetiva - e todo esse pagamento tem a mesma natureza devendo ter-se como integrando a retribuição. Constituirá retribuição, porventura, mesmo considerando o n.o 1 do artigo 258.º do CT, à luz da prática do empregador, ainda que a solução preconizada pelo Acórdão recorrido - a aplicação da presunção do n.o 3 do artigo 258.º - conduza à mesma solução, já que o empregador ao descrever no recibo certos montantes como sendo "horas extra" e "trabalho noturno", não conseguiu ilidir a presunção, identificando o que é pagou mesmo sem condução ou trabalho efetivos.

Há, destarte, que concluir como fez o Acórdão quando condenou "a Ré a pagar ao Autor as diferenças salariais na retribuição de férias e no subsídio de férias dos anos 2002 a 2021, e ainda no subsídio de Natal em 2003, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos pela A. a título trabalho suplementar e trabalho noturno por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias e aos anos em que o Autor recebeu os referidos subsídios durante pelo menos onze meses, a liquidar oportunamente".

Decisão: Acorda-se em negar a revista e confirmar o Acórdão recorrido

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 12 de fevereiro de 2025

Júlio Gomes (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Mário Belo Morgado

_____________________________________________

1. Por lapso evidente refere-se o artigo 248.º n.o 3 do Código do Trabalho.??

2. Era a seguinte a redação original deste ponto: "Nos períodos intermédios do dia, os trabalhadores são livres de fazerem os seus afazeres, desde que se mantenham contactáveis e disponíveis para fazer face a qualquer necessidade de carácter operacional que possa surgir".??

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