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TRP, Ac. de 13 de Outubro de 2016

TRP, Ac. de 13 de Outubro de 2016

Ver Ficha

Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 13 Out. 2016, Processo 1495

Relator: MADEIRA PINTO.

Processo: 1495

JusNet 6403/2016

É de aplicar a medida tutelar de promoção e proteção de acolhimento institucional aos menores, cujo comportamento afeta gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação e desenvolvimento sem que os pais se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação

Resumo

PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. Na tomada de decisões relativas a crianças, os tribunais, as instituições de proteção social e entidades administrativas têm o dever de ter em conta o interesse superior da criança. Ora, demonstrando a factualidade uma situação de perigo para a formação, saúde, segurança e desenvolvimento dos menores, e com vista a retirá-los dessa situação, impõe-se a aplicação das adequadas medidas de promoção e proteção que salvaguardem o harmonioso e são desenvolvimento integral dos menores. Com efeito, a situação de dependência tabágica e aditiva dos jovens, a sua rebeldia e resiliência, bem como a insuficiência das outras medidas a executar em meio natural de vida, aponta necessariamente no sentido que a medida tutelar de promoção e proteção mais adequada é a de acolhimento institucional uma vez que revela ser aquela que melhor salvaguarda os seus melhores e superiores interesses.

Disposições aplicadas

D do PR n.º 49/90, de 12 de Setembro (ratifica a Convenção sobre os direitos da criança, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990) (JusNet 140/1990) art. 3.2 g)

Texto

I - As conclusões de recurso devem ser claras, escorreitas, lógicas, sintéticas e não contraditórias, excessivas, prolixas, incongruentes, obscuras e inócuas- Consº Abrantes Geraldes, Obra citada, p.116 e 117- como o são as apresentadas pelos recorrentes. Afinal o que pretendem os recorrentes? A revogação do acórdão recorrido sem aplicação de medida de promoção e protecção aos menores seus filhos? A aplicação de medida de promoção e protecção de acolhimento familiar ou de confiança a família de acolhimento com vista à adoção - artºs 1º, 2º, 3º, 5º, alíneas a) e e), 34º, 35º, no 1, al. e) e g), 38º-A, alínea b) e artº 46º LPP, na redacção da Lei no 142/2015, de 8.9 e DL no 11/2008, de 17.01 (Regime de Execução do Acolhimento Familiar)? Ou pretendem a constituição do vínculo de natureza tutelar cível de apadrinhamento civil? II - O apadrinhamento civil, segundo o regime jurídico vigente em Portugal, é uma providência tutelar cível, aplicável num processo especial tutelar cível obedecendo ao disposto nos artºs 1º, 3º, alínea k) e 66º RGPTC, aprovado pela Lei no 141/2015, de 08.09, entrada em vigor em 08.10.2015 e tendo como regime jurídico específico as disposições da Lei no 103/2009, de 11.09, com as alterações da Lei no 141/2015, de 08.09 e a regulamentação estabelecida pelo DL no 121/2010, de 27.10. O objectivo confesso do legislador ao instituir este instrumento jurídico (que entrou em vigor em 27.12.2010) foi o de tirar muitas crianças e jovens das instituições (porque todos reconhecem que ali não devem ficar muito tempo, dado que não é um habitat adequado ao seu pleno desenvolvimento) e permitir-lhes viverem como uma nova família (o(s) padrinho(s) mantendo as relações de laço de sangue com os pais- ver o Preâmbulo do DL no 121/2010, de 27.10. Teve o legislador em vista com esta nova medida tutelar cível preencher um campo entre a adoção restrita e a tutela, mas cremos que essa intenção está longe de ser concretizada. Na verdade, basta consultar os dados informáticos da Segurança Social e do Ministério da Justiça, para se concluir que até ao presente e estão quase a perfazer seis anos desde a implantação desse instituto jurídico em Portugal, muito poucos apadrinhamentos civis foram concretizados. III - O acórdão do tribunal misto, ora recorrido, aplica devidamente, em nosso entender, o Direito (Lei de Promoção e Proteção das Crianças e Jovens, Constituição da República Portuguesa de 1976 e Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26.01.1990, publicada no DR no 211/1990, Série I, 1º Suplemento, de 12. 09.1990, ratificada pelo Decreto do Presidente da República no 49/90, de 12.09 e que entrou em vigor em Portugal no 30º dia após a data do seu depósito (DR no 248, Série I, de 24.10.1990, vigorando no direito interno português por força do disposto no artº 8º, no 2, CRP de 1976). n, O artigo 3º desta Convenção impõe um dever sobre nós Tribunais (para além de instituições de protecção social e entidades administrativas) de termos, primacialmente, em conta o "interesse superior da criança" na tomada de decisões relativas a crianças, sendo o conceito de criança estabelecido no artigo 1º da Convenção como "todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo. Tal conceito geral e abstracto deve ser integrado com a realidade concreta de cada criança/jovem e temos para nós que a tradução brasileira da Convenção é muito mais feliz, enquanto "melhor interesse da criança"- ver Tânia da Silva Pereira, artigo publicado na Revista Lex Familiae, Centro de Direito de Família da Universidade de Coimbra, p. 21, Ano 6, no 11. IV - O douto acórdão recorrido interpretou devidamente o conceito de "melhor interesse da criança" previsto na Convenção Sobre os Direitos da Criança, bem como as normas da Constituição da República Portuguesa de 1976 que protegem as crianças e jovens e a família, conforme o excerto que se transcreve: V - Face à situação de dependência tabágica e aditiva dos jovens, à sua rebeldia e resiliência, bem como à insuficiência das outras medidas a executar em meio natural de vida, qualquer prognóstico minimamente prudencial, aponta necessariamente no sentido que a medida tutelar de promoção e protecção mais adequada, ao caso concreto, será a de acolhimento residencial/institucional uma vez que revela ser aquela que melhor salvaguarda os seus melhores e superiores interesses. Medida esta que os jovens e mãe, sem discernimento e não querendo ver a evidência, não quiseram anuir e recusam-se a aceitar ou a integrar sem qualquer causa justificativa". VI - A medida de promoção e proteção aplicada aos menores de acolhimento residencial ao abrigo da LPP, na actual redacção, é a que se revela, perante os fatos provados, como a mais adequada a promover os direitos à educação, saúde e desenvolvimento dos menores identificados nos autos e a remover a situação de perigo actual e concreto em que se encontram, por acção dos próprios menores (em final de adolescência) e por omissão dos seus progenitores, condutas lesivas desses seus direitos- vide Direito das Crianças e dos Jovens, Livraria Petrony, 2010, Manuel Lopes Madeira Pinto (redator deste acórdão).

Processo no 1495/12.2TMPRT.P1

Relator: Madeira Pinto

Adjuntos: Carlos Portela

Pedro Lima da Costa

Descritores:

Processo de Promoção e Proteção

Acolhimento residencial

Novo regime tutelar civil

Apadrinhamento civil

I-RELATÓRIO:

O Ministério Público veio requerer ao abrigo do disposto na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei no 147/99, de 01.09, nos termos dos artigos 105º e 73º, no 1, al. b), deste diploma legal (entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2001, em simultâneo com a Lei no 166/99, de 14.09 (Lei Tutelar Educativa), por força do sisposto no seu artº 6º e da Portarianº 1220-B/2000, de 20.12), o presente processo de promoção e proteção, relativo aos jovens B... e C..., requerendo seja aplicada medida de promoção e proteção de colocação residencial e tendo alegado, como fundamentação fáctico-jurídica do seu requerimento, que é esta medida de acolhimento residencial/institucional a que se revela a mais adequada para afastar os jovens do perigo em que se encontram.

Cumpridos os procedimentos legais, com nomeação de defensores oficiosos, foram apresentadas alegações e realizada a audiência de debate judicial em 1 de Fevereiro de 2016, com tribunal misto, devidamente constituído pelos juízes sociais e o juiz de direito titular do processo, foi proferido acórdão, com unanimidade de votos, lido pelo Excelentíssimo juiz presidente em 8 de Fevereiro de 2016,aplicando a ambos os menores a medida de acolhimento residencial, prevista no artº 35º, no 1, al. f) da LPP, na redacção da Lei no 142/2015, de 08.09, que procedeu à sua republicação.

No acórdão proferido pela primeira instância foi exposta a seguinte fundamentação fática:

Factos provados:

1. O menor C... nasceu no dia 29/06/2000 e o B... a 13/10/1998 e são filhos de D... e E....

2. Possuem mais dois irmãos bilaterais, o F..., nascido a 21/02/1996, e o G..., nascido a 17/10/2001.

3. Os pais do menor, que não são casados, encontram-se a viver juntos e os menores residem com os mesmos na Rua ... n.o ..., ..., freguesia ..., nesta cidade do Porto, juntamente com mais um irmão, O F....

4. O pai, ex-toxicodependente, encontrou-se na situação de desemprego durante longos anos revelando não possuir força nem vontade suficiente para sair dessa situação de empastelamento e imobilismo profissional a não ser recentemente.

5. Recorre aos autoritarismo e força física para fazer valer a sua posição e afirmar-se perante a mulher e filhos, a quem propiciava episódios de violência domestica antes do tratamento de desintoxicação aditiva a que foi submetido.

6. A progenitora trabalha como auxiliar da acção médica no Centro Hospitalar H... e constituiu até há bem pouco tempo praticamente a única fonte de rendimento deste agregado familiar.

7. Ambos os progenitores revelam inabilidade na gestão dos parcos recursos económicos que têm à disposição.

8. Os progenitores constituem referências frágeis para os menores e os filhos não os percepcionam como figuras de autoridade.

9. Os pais do menor não possuem as competências parentais, vontade e força anímica, nem a autoridade suficiente para educar os filhos no que respeita ao estímulo e frequência escolar e revelaram ser estruturalmente débeis e negligentes, com uma incapacidade pessoal notória para incrementar procedimentos educativos minimamente consistentes.

10. Também não possuem conhecimentos na área dos cuidados básicos (satisfação das necessidades físicas do filho, como higiene) da estimulação (promoção de oportunidades sociais e educacionais) e na imposição de regras e limites, exibindo práticas parentais ou educacionais ineficazes, amolecidas e desadequadas.

11. Os jovens têm saltado de escola em escola e de curso em curso chegando ao ponto de desaproveitar as oportunidades concedidas e a inscrição em escolas, depois de todo o trabalho, em vão, desenvolvido pela Segurança Social - cfr. fls. 658, 706.

12. O C..., depois de verificada a falência no ensino regular, foi formalmente inscrito e matriculado no curso vocacional e alternativo de nível 2, na Escola I... - cfr. fls. 519, 525.

13. O mesmo ocorreu com o B... e também se encontra integrado num curso vocacional, igualmente sem qualquer resultado perceptível e se vislumbre como positivo.

14. Porém, também aqui, encontram-se desde há longa data numa situação crónica de absentismo escolar, com faltas consecutivas às aulas e à escola, alheios e distantes de qualquer processo de aprendizagem ou aculturação, sem qualquer causa justificativa - cfr. fls. 426.

15. O B... ao longo do ano lectivo de 2014/2015, registou mais de 700 faltas injustificadas, muitas das quais, de cariz disciplinar. Daquelas apenas 12 foram consideradas justificadas. Não completou qualquer módulo e foi excluído, acabando expulso no presente ano letivo em Novembro de 2015 por comportamento de extrema agressividade para com outro aluno.

16. Para além da baixíssima taxa de assiduidade, das poucas vezes que foram à escola, invariavelmente não foram pontuais, apresentando também ambos uma postura muito instável recusando realizar as actividades e tarefas propostas no contexto do exercício da docência. Revelaram igualmente uma acentuada indulgência na aplicação e investimento nas actividades curriculares possuindo cada um deles, currículos disciplinares assinaláveis e inusuais - cfr. fls. 151, 430.

17. Ambos frequentaram sessões de reforço de aprendizagens organizadas pela I.P.S.S. - J... sem qualquer resultado palpável e minimamente profícuo.

18. Acresce que à inactividade escolar dos menores corresponde a uma hiperactividade de oposição às normas e disciplina instituídas de cada um deles - cfr. fls. 450, 426.

19. Provocam e respondem aos professores e colegas de forma crespa, rude e com maus modos em frente aos outros alunos (tendo-se registado graves episódios de confronto físico) e educadores, adoptando condutas e atitudes que inviabilizam a sua permanência na sala de aula em constante desafio pela autoridade dos docentes, recusando-se a cooperar na formação da sua educação - cfr. fls. 151, 426.

20. Possuem assim uma postura muito agressiva e violenta entre pares, e igualmente desadequada e ríspida com funcionários e professores tendo sido objecto de sanções discentes onde responderam no âmbito de processos disciplinares, e também onde para além de outras, foi aplicada ao C... uma sanção de 10 dias de suspensão e outras de similar gravidade ao B... - cfr. fls. 151, 432.

21. A indisciplina e confrontação ia ao ponto de ser recorrente e usual o C... tratar os funcionários e professores de «filhos da puta» insinuando que eram cães, ao mesmo tempo que os ameaçava sem qualquer razão aparente - cfr. fls. 447.

22. Dentro das mil e uma peripécias que o C... protagonizou, uma vez, na sala de aula, arremessou uma cadeira em direcção à professora que leccionava e só não lhe acertou em cheio uma vez que aquela desviou-se a tempo, evitando assim que ficasse gravemente lesionada - cfr. fls. 447.

23. O B..., por sua vez, para alem de também assumir atitudes incorrectas na sala de aula (falar alto no decurso das aulas, gritar nos corredores...), participou em diversos furtos e roubos, um dos quais relativo a um telemóvel e de uma playstation.

24. Também arremessou pedras contra uma viatura que danificou intencionalmente, agrediu outros alunos havendo suspeitas que igualmente se dedique ao tráfico de droga - cfr. fls. 426.

25. Os pais, sabendo destas falhas, reprovação, afrontamento e absentismo, não tem força persuasiva para contrariar os(a) filhos(a), sendo a mãe demasiado benevolente e o pai mais rude, não conseguem impor-lhes disciplina e nem aqueles lhes reconhecem qualquer autoridade como figuras de educação.

26. O progenitor apresenta-se resignado, sem esperança, desiludido, tendo desistido de mudar alguma coisa aos filhos.

27. Não possuem motivação para estudar, acordam tarde, têm um aproveitamento escolar baixíssimo, não querem mudar de trajecto e incompatibilizam-se com quem lhes chama a atenção para inverter o rumo e recobrarem a razão.

28. Apesar da panóplia das ajudas utilizadas e esgotadas as tentativas de integração dos menores desde a sua chegada à escola, foram disponibilizados todos os auxílios necessários desde material, livros, cadernos refeições, suplementos alimentares até aulas suplementares de apoio e acompanhamento.

29. Porém, o C... e B... pouco ou nada aproveitaram as incontáveis ajudas que lhes foram proporcionadas - cfr. fls. 426, 448.

30. Apesar de serem dois jovens saudáveis, fumam cigarros e consomem tabaco diariamente e suspeita-se que igualmente se dediquem à adição substâncias estupefacientes (haxixe) de forma regular e habitual, e provocando-lhes, a cada um, as desorganizações completas e totais da vida, estando já referenciados no meio escolar e social como duas pessoas que se dedicam ao consumo de cannabinóides e outras substâncias aditivas - cfr. fls. 65, 154.

31. Manifestaram notória irresponsabilidade quando verbalizaram a vontade de deixarem de estudar e adoptaram uma conduta completamente omissiva e apática na procura de alguma alternativa socioprofissional.

32. Não possuem regras e não obedecem a alguém, pais, familiares ou amigos, privilegiando a frequência de cafés com bilhares/matrecos e outras atividades lúdicas em detrimento absoluto dos estudos.

33. Também não verbalizaram qualquer vocação e manifestaram a intenção de querer trabalhar no futuro, exercerem alguma profissão ou aprenderem qualquer ofício assumindo comportamentos irregulares como modo de vida, encontrando-se expostos a modelos de comportamento desviantes e delinquentes - cfr. fls. 429 - revelando ainda imaturidade, falta de responsabilidade e ausência de projectos minimamente estruturados.

34. Nas diversas escolas por onde passaram criaram um sentimento geral de insegurança e impunidade, esgotando ambos as medidas disciplinares existentes na legislação em vigor, sem que com isso tivesse alterado os comportamentos violentos e de falta de respeito, gerando revolta e inconformismo nos professores e alunos - cfr. fls. 426, 447.

35. Vêm assumindo comportamentos irregulares e delinquentes como modo de vida - cfr. fls. 83 - fazendo-se acompanhar por outros jovens que vivem na marginalidade e adoptam habitualmente condutas desviantes, bem sabendo que assim podem ser ainda mais contagiados com tais (más)companhias, dedicando-se aos furtos, agressões físicas e até extorsão de dinheiro - cfr. fls. 356, 426, 450.

36. Utilizam o calão, a linguagem incorrecta e obscena, de cariz sexual como forma normal de comunicar, perdendo igualmente a serenidade quando são contrariados, insultando, diminuindo e ameaçando quem não concorde e se oponha às suas ideias.

37. Não quiseram aderir a qualquer acompanhamento psicológico, escolar e familiar, demonstrando total desinteresse à mudança de atitude.

38. Apresentam-se desleixados na forma de vestir, pentear e arranjar e não cumprem com os requisitos mínimos em termos de higiene pessoal, cheirando mal.

39. Não obstante a intervenção não judicial da Comissão de Protecção de Menores e Jovens em Perigo, de 2010 em diante a Q.P.I., A.S.A.S. de K..., Agrupamento de Escolas L..., Externato M..., Agrupamento de Escolas N... - cfr. fls. 425, 429 - outras instituições, bem como, deste tribunal e das sucessivas intervenções - cfr. fls. 408, 658 - e das medidas tutelares de promoção e protecção aplicadas - cfr. fls. 36, 42, 166 - os acordos de frequência e comportamento escolar foram reiteradamente incumpridos, encaminhamento para o PIAC, mediação familiar, CAFAP, sem adesão dos pais e dos jovens que continuaram numa situação de absentismo, de desafio às regras instituídas, aproveitamento insuficiente, deriva profissional com percurso errático e rebeldia às aulas, com reprovações consecutivas, sem horizontes ou objectivos, não manifestando interesse em inverter o rumo até aqui enveredado.

40. Também por causa do excessos de tabagismo aliado ao consumo aditivo de substâncias estupefacientes, a sua saúde física e psicológica, tem-se ressentido, constituindo esta circunstância uma das causas para a falta de motivação e alheamento que têm demonstrado, quer pela escola, quer por uma vida social normativa em geral.

41. A progenitor aufere o salário mensal de € 700,00 mensais e o progenitor como distribuidor de jornais o salário mensal de € 353,00.

Factos não provados:

De relevante nada mais se provou e, designadamente, que a atribuição de casa social não tivesse sido possível por falta de requisitos e que a tê-lo sido pudesse contribuir para alterar a dinâmica em espiral em que se encontram os jovens (altera-se aqui o lapso manifesto da redação dada pelo tribunal de primeira instância).

Os pais dos referidos menores, D... e E..., não se conformando com aquele acórdão, vieram atempadamente interpor este recurso, apresentando trinta e seis conclusões no sentido de que "deve ser dado provimento ao recurso e revogada a douta decisão recorrida".

O Ministério Público apresentou contra alegações o sentido da manutenção do julgado.

Cumpre decidir.

II- DO RECURSO:

O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e no recurso não se apreciam razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 630º, nos 1 e 2, CPC- neste sentido são a jurisprudência e doutrina correntes (a título de exemplo Acórdão do STJ de 28.05.2009, in www.DGSI.pt, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Conselheiro Abrantes Geraldes, Amedina, p. 84 e 118.

As conclusões de recurso devem ser claras, escorreitas, lógicas, sintéticas e não contraditórias, excessivas, prolixas, incongruentes, obscuras e inócuas- Consº Abrantes Geraldes, Obra citada, p.116 e 117- como o são as apresentadas pelos recorrentes.

Afinal o que pretendem os recorrentes?

A revogação do acórdão recorrido sem aplicação de medida de promoção e protecção aos menores seus filhos?

A aplicação de medida de promoção e protecção de acolhimento familiar ou de confiança a família de acolhimento com vista à adoção - artºs 1º, 2º, 3º, 5º, alíneas a) e e), 34º, 35º, no 1, al. e) e g), 38º-A, alínea b) e artº 46º LPP, na redacção da Lei no 142/2015, de 8.9 e DL no 11/2008, de 17.01 (Regime de Execução do Acolhimento Familiar)?

Ou pretendem a constituição do vínculo de natureza tutelar cível de apadrinhamento civil?

Ora, o apadrinhamento civil, segundo o regime jurídico vigente em Portugal, é uma providência tutelar cível, aplicável num processo especial tutelar cível obedecendo ao disposto nos artºs 1º, 3º, alínea k) e 66º RGPTC, aprovado pela Lei no 141/2015, de 08.09, entrada em vigor em 08.10.2015 e tendo como regime jurídico específico as disposições da Lei no 103/2009, de 11.09, com as alterações da Lei no 141/2015, de 08.09 e a regulamentação estabelecida pelo DL no 121/2010, de 27.10. O objectivo confesso do legislador ao instituir este instrumento jurídico (que entrou em vigor em 27.12.2010) foi o de tirar muitas crianças e jovens das instituições (porque todos reconhecem que ali não devem ficar muito tempo, dado que não é um habitat adequado ao seu pleno desenvolvimento) e permitir-lhes viverem como uma nova família (o(s) padrinho(s) mantendo as relações de laço de sangue com os pais- ver o Preâmbulo do DL no 121/2010, de 27.10.

Teve o legislador em vista com esta nova medida tutelar cível preencher um campo entre a adoção restrita e a tutela, mas cremos que essa intenção está longe de ser concretizada. Na verdade, basta consultar os dados informáticos da Segurança Social e do Ministério da Justiça, para se concluir que até ao presente e estão quase a perfazer seis anos desde a implantação desse instituto jurídico em Portugal, muito poucos apadrinhamentos civis foram concretizados.

Os progenitores dos menores, ora recorrentes, deveriam ter requerido (e ainda o poderão fazer) na pendência deste processo de promoção e protecção o estabelecimento desse novo vínculo afectivo, podendo até indicar o(s padrinho(s), mas este(deve ser(em) maior(es) de 25 anos e serem habilitados para o efeito pelo organismo da segurança social competente- artºs 2º, 3º,, 5º, no 1, al. a), 10º, no 1, al. d), 11º, 12º, nos 1 e 2 e 13º, nos 1, al. a), 2 e 3, todos da Lei no 103/2009, de 11.09, com as alterações da Lei no 141/2015, de 08.09 e a regulamentação estabelecida pelo DL no 121/2010, de 27.10.

Realmente não se entende a pretensão recursiva dos apelantes.

Seja como for, é certo que pretendem a revogação do acórdão recorrido.

Mas, tal não pode ter provimento, tão douto é aquele acórdão que aplica devidamente, em nosso modesto entender, o Direito (Lei de Promoção e Proteção das Crianças e Jovens, Constituição da República Portuguesa de 1976 e Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26.01.1990, publicada no DR no 211/1990, Série I, 1º Suplemento, de 12. 09.1990, ratificada pelo Decreto do Presidente da República no 49/90, de 12.09 e que entrou em vigor em Portugal no 30º dia após a data do seu depósito (DR no 248, Série I, de 24.10.1990, vigorando no direito interno português por força do disposto no artº 8º, no 2, CRP de 1976). n,

O artigo 3º desta Convenção impõe um dever sobre nós Tribunais (para além de instituições de protecção social e entidades administrativas) de termos, primacialmente, em conta o "interesse superior da criança" na tomada de decisões relativas a crianças, sendo o conceito de criança estabelecido no artigo 1º da Convenção como "todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.

Tal conceito geral e abstracto deve ser integrado com a realidade concreta de cada criança/jovem e temos para nós que a tradução brasileira da Convenção é muito mais feliz, enquanto "melhor interesse da criança"- ver Tânia da Silva Pereira, artigo publicado na Revista Lex Familiae, Centro de Direito de Família da Universidade de Coimbra, p. 21, Ano 6, no 11.

O douto acórdão recorrido interpretou devidamente o conceito de "melhor interesse da criança" previsto na Convenção Sobre os Direitos da Criança, bem como as normas da Constituição da República Portuguesa de 1976 que protegem as crianças e jovens e a família, conforme o excerto que se transcreve:

"Verifica-se que são manifestamente evidentes, a falta de competências dos progenitores para cuidarem dos jovens de lhes proporcionarem a segurança que necessitam particularmente nesta fase das suas vidas, pelo que a se prefigurar solução pré-existente apoio junto dos pais, tal colocaria estes jovens num contexto de risco e com regressão acentuada do seu desenvolvimento global e estabilidade comportamental-afetiva, que não pode ser consentida por este Tribunal.

Pois, para além de não terem capacidade para lhes imporem regras e de os afastarem do perigo em que se encontram, faltas consecutivas e sem qualquer justificação às aulas, mau comportamento sistemático, com violação das mais elementares regras de convivência social, perturbando, boicotando as aulas, desrespeitando os professores, desafiando-os, não acatando orientações, agressividade verbal permanente, tendo como vitimas não só os professores como os auxiliares escolares e ainda os seus pares, com notas já referenciadas de e também agressividade física. Estes foram alvo de diversas advertências na escola, de múltiplas tentativas de ajuda com os técnicos sociais, no próprio tribunal e mesmo tendo o exemplo do irmão mais novo, que foi institucionalizado dado o seu anterior comportamento desregulado e sem controlo, não foram capazes de inverter o respectivo comportamento, agindo com um sentimento de impunidade tal que repetem as suas façanhas e desdenham qualquer orientação, mesmo dos pais. São alvo permanente de processos disciplinares com suspensões. De nada serviu. O B... acabou expulso ainda este ano letivo, em Novembro, já depois de ter sido ouvido em tribunal e de ter sido advertido para alterar o curso do seu comportamento. Recusam a intervenção técnica especializada. Abandonam o espaço escolar, deambulam pelo Porto, com más companhias. Fumam tabaco, havendo suspeitas de consumo de droga. Por seu lado, os progenitores manifestamente não conseguiram inverter toda esta problemática. São incapazes de ser assertivos, de imporem regras mínimas de convivência e empenho escolar. Manifestamente não conseguem acompanhar, implementar, adotar estratégias adequadas. Tem sido assim com todos os filhos, estes e os demais já intervencionados. O progenitor tem-se revelado ausente, alheado, resignado, tendo-lhe sido ocultados muitos dos comportamentos dos jovens por parte da mãe. Quando sabedor, age de forma manifestamente exagerada castigando fisicamente os filhos. Por sua vez, a progenitora adota sempre uma postura desculpabilizante, sendo afetiva, o que é recíproco da parte dos filhos, não é assertiva. Não consegue impor o correto. Apresenta um quadro permanente de depressão, situação que lhe tem toldado a capacidade, a proatividade na educação dos filhos. Ela própria o tem vindo a admitir.

Também se pôde constatar que a relação entre marido e mulher não será mais saudável, verificando-se uma incapacidade de definição da vida conjugal, umas vezes pensando na rutura outras não. Também o trabalho, o seu horário rotativo, com períodos noturnos não favorece o quadro. Todavia, o tribunal conhece muitos casos semelhantes e os pais têm sabido encontrar formas de acompanhar os filhos mesmo tendo parcas capacidades financeiras, socorrendo-se de familiares, conhecidos, alterando horário e até mudando de emprego. Tal não aconteceu neste caso. É longa a intervenção, detetados os problemas, sugeridas estratégias e já há muitos anos e nada se alterou. Não se conhece que este agregado tenha recorrido a terceiros, familiares ou tentado mudar a situação. É sempre a mesma resignação e frequente a tentativa de desculpabilização, invocação de falta de apoio, sobretudo económico por parte do Estado. Mas não tem sido assim. Desde muito cedo se tentou dar apoio logístico com intervenção na própria sala de aulas, tentou-se encaminhá-los para mediação familiar e consultas de psicologia. As intervenções acabaram sempre por não se iniciar ou concluir, por desistência, invocando-se sempre ou falta de dinheiro ou falta de tempo. E repare-se que este agregado já não reúne os requisitos para o RSI, o que significa que não se encontra no limiar da pobreza, compreendendo, todavia, nós que não é fácil, com o número de elementos do agregado familiar. Mas a pobreza não é necessariamente e sempre sinónimo de falta de regras, mau comportamento e desinvestimento escolar.

Entendemos que mais não pode ser feito no âmbito familiar. Reinvestir na mesma situação é perda de tempo. Não haveria nenhum feed back da parte dos jovens. São inclusive um mau exemplo para o irmão G... que está institucionalizado e se está a esforçar por cumprir e regressar a casa. Os pais não estão em condições, como se tem visto, de inverter a situação. Não se trata de dinheiro, trata-se da capacidade para regular a vida dos filhos que foi completamente posta em causa. É evidente a negligência. E em consequência os jovens assumem comportamentos que afetam gravemente a sua saúde, tabaco, segurança, formação, educação e desenvolvimento sem que os pais se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação, art. 3º, n º 2, al. g) da LPCJP.

Por outro lado, não se perfilaram outras alternativas, com por exemplo familiares. Em nenhum momento os pais indicaram tal alternativa e pelos Técnicos sociais não foi detetada a presença desses elementos que pudessem funcionar como retaguarda ou até como substituição. De todo o modo, atento o perfil de personalidade destes jovens já delineado em tantos anos de insucesso escolar, desobediência e desacatos sobretudo na escola, não se vislumbra que outra entidade singular pudesse ter sucesso.

Sabendo nós que a colocação residencial em Instituição deve ser a última das opções, não partilhamos da opinião radical de que não deve nunca ser aplicada. Primeiro porque muitas situações têm sucesso em acolhimento institucional, segundo porque o conhecimento e cumprimento de regras e um acompanhamento efetivo é possível ao contrário do que tem vindo a ocorrer juntos destes pais, terceiro porque a imposição de regras e seu acatamento e aplicação de consequências para a sua violação se torna premente para estes jovens, quarto porque tal por si só não significa desprovê-los de afeto. As ligações contactos e vínculos familiares manter-se-ão, como aliás se tem verificado junto do irmão G... com progressos muito positivos no acatamento de regras, na sua escolarização, comportamento na escola e na própria instituição.

Em síntese, demonstrando a factualidade supra descrita uma situação de perigo para a formação, saúde, segurança e desenvolvimento do(a/s) menor(es), e com vista a retirá-lo(s) dessa situação, impõe-se, desta forma, aplicação das adequadas medidas de promoção e protecção que salvaguardem o harmonioso e são desenvolvimento integral do(a/s) menor(es).

Face à situação de dependência tabágica e aditiva dos jovens, à sua rebeldia e resiliência, bem como à insuficiência das outras medidas a executar em meio natural de vida, qualquer prognóstico minimamente prudencial, aponta necessariamente no sentido que a medida tutelar de promoção e protecção mais adequada, ao caso concreto, será a de acolhimento residencial/institucional uma vez que revela ser aquela que melhor salvaguarda os seus melhores e superiores interesses.

Medida esta que os jovens e mãe, sem discernimento e não querendo ver a evidência, não quiseram anuir e recusam-se a aceitar ou a integrar sem qualquer causa justificativa".

A medida de promoção e proteção aplicada aos menores é a que se revela, perante os fatos provados, como a mais adequada a promover os direitos à educação, saúde e desenvolvimento dos menores B... e C... e a remover a situação de perigo por acção dos menores e omissão de lesão desses direitos- vide Direito das Crianças e dos Jovens, Livraria Petrony, 2010, Manuel Lopes Madeira Pinto (redator deste acórdão).

III-DECISÃO:

Nestes termos, acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar o douto acórdão recorrido.

Custas pelos apelantes.

Porto, 13-07-2016

Madeira Pinto

Carlos Portela

Pedro Lima Costa

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